O Pepe de Belém nasceu há 103 anos !

Versos anónimos recitados pelo ilustre actor Barroso Lopes (foto da direita) no Teatro Variedades na Revista «O Mexilhão».
Os direitos de autoria destes versos revertem para o Club «Os Belenenses».

Morreu o jogador ! Um garoto pequeno
que andava por Belém, simpático e moreno.

Tinha um sonho vulgar, um sonho humilde e pobre,
anónimo, singelo!...Um sonho que encobre...
em timidez discreta...
Um sonho dos sonha o Povo que é poeta...
E sob a ganga azul do fato de macaco
um grande coração, dentro de um peito fraco,
pulsava generoso, acolhedor e audaz...

Era a alma do povo em corpo de rapaz!

Havia ali na rua um rez-do-chão caiado
onde, ao vir do trabalho, ele ia, deslumbrado,
falar a uma pequena
... que era também morena !
Ela esp'rava-o detraz da cortina de cassa,
uma cortina branca apanhada com folhos...
E os seus olhos
baixavam-se, a sorrir, numa infinita graça!...

E ao trabalhar de dia ao banco de torneiro
altivo, independente, alegre e galhofeiro,
o Pepe de Belém
não odiava ninguém !

Parece que estou vendo agora como então,
nessa tarde em que foi heroi da multidão !...

O campo estava cheio. A pino um sol de maio.
O «team» entra veloz. Vinha à frente um catraio,
e ouvia-se gritar:
- «O Pepe vae jogar !...»
Alinham os azues. Os «keepers» vão de branco.
Final de campeonato. o jôgo é um arranco
p'ra vêr quem lança mão
ao trofeu que pertence ao club campeão!

O povo, a meio tempo, exigente, irritado,
reclama um jôgo duro, um jôgo castigado,
e obriga-o a fazê-lo
a gente do Restêlo
Há nervos... Só o Pepe, humílimo e pequeno,
continua serêno !...

Mas nisto, como um raio, intenso, fulminante,
êsse garoto corre e vôa e passa adeante
e domina... Atravessa o campo lés-a-lés,
com a bola nos pés...
Tão rápido e felino o pardalito salta,
que passa mesmo à capa um jogador pernalta,
um grande matulão !...

Delira a multidão !
- «Vamos ! Carrêga ! Anda ! Ó Pepe passa já !...
A bola não está fora ! A bola é nossa ! Vá !...»

Num arranco final,
violento, triunfal,
causando assombro e pasmo aos jogadores mais velhos,
tinha chegado o Pepe à rêde dos vermelhos !...
um grito ! Confusão !... Um «goal !»... Aplausos !... Nisto...
envolta em poeirada,
heroica, esfarrapada,
surgiu a camisola azul co'a cruz de Cristo !...
..............................................................................
Não mataram o Pepe ! E matá-lo porquê?
se ele tinha no olhar essa expressão de fé,
- da fé e da confiança
que tem uma creança !...

In 'O Notícias Ilustrado' de 29 de Novembro de 1931
José Manuel Soares 'Pepe'

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