O célebre golo de ANDRADE ou a evocação pitoresca dum memorável BELENENSES - BENFICA no ano em que os AZUIS foram campeões


Domingo, no cenário pulcro do Restelo, eclodirá, finalmente, o que por essas ruas, essas tertúlias, esses «mentideros», se intitula o «desafio do ano». Exactamente, o Belenenses - Benfica, que, entre outras coisas, terá a virtude, espera-se, de «dizer muita coisa» sobre o título deste ano…
Chegados ao peristilo do grande acontecimento, olha-se para trás e logo nos sorri, na alfombra das recordações, facto ou figura de singularidade relevante. É afinal, missão do jornalista: ir à cata do sugestivo e do «engraçado» até nos planos mais inverosímeis.
O Belenenses - Benfica do próximo domingo (1 de Fevereiro de 1959) sugeriu-nos a evocação de um célebre golo que deu, há anos, ao clube do Restelo, um título de campeão nacional de futebol.
Andrade, avançado-centro dos «azuis». e Martins, guarda-redes do Benfica, foram as figuras centrais desse lance memorável, vivido nas Salésias num «clima» de rara intensidade emocional.
Não foi difícil localizar, há dias, em Lisboa, os protagonistas do «filme» desse golo decantado (da autoria de Andrade, hoje no Estoril-Praia…). Da troca de impressões, curiosíssima, que com ambos os jogadores sustentámos, reproduzimos o que se segue:
«…Parei-a com o peito e atirei rapidamente ! »
Andrade, o Andrade da época de 1945-46, era a «coqueluche» dos «azuis». O encontro com o Benfica era decisivo. Impunha-se ganhar…
Eis o relato interessante do jogador:

- Aconteceu na 2ª metade do desafio. Um centro de Rafael, lançado da esquerda encontrou-me esplendidamente situado para desfechar o remate. O golo ficou a dever-se a um curioso «acidente»: eu acabara de receber instruções (do treinador Augusto Silva), para abandonar o posto de avançado-centro e fixar-me na posição de extremo-direito, por troca com Armando. Quando me encaminhava para perto da linha lateral, mais ou menos na posição de interior-direito, a bola «apareceu-me», pelo ar, vinda do malogrado Rafael. Parei-a com o peito e atirei rapidamente…
- «Fechou» os olhos?
- Não! Vi nitidamente a bola a tocar as malhas. O que não posso precisar é se o Martins chegou ou não a tocar a bola com as mãos…
- Qual dos seus companheiros correu primeiro, para si, a felicitá-lo ?
- Creio que… o Quaresma, meu grande amigo e inestimável conselheiro nos meus primeiros tempos de jogador titular do Belenenses.
(uma breve pausa, Andrade como que «sacode» de si próprio as recordações) Desabafou:

- Não sou futebolista que vibre muito com os acontecimentos. O panorama desportivo no nosso país enferma de males revoltantes. A critica, por seu turno, deixa bastante a desejar. Vive apoucada, sem uma opinião própria e independente. E, quanto aos organismos superiores do desporto… é o que se sabe. A Federação aplicou-me um castigo de 6 meses e, mau grado as instâncias superiores do meu clube, o Estoril-Praia, que lá lhes deixou os tais mil escudos de «depósito». o assunto não ata nem desata.
Enfim - concluiu Andrade numa atitude displicente - acabo de evocar uma página agradável (o golo das Salésias !) num momento particularmente desagradável da minha vida desportiva…
Martins apercebeu-se do «cambio» de Andrade…
O homem que nesse memorável Belenenses - Benfica guardou a baliza dos «encarnados» (e sofreu o «golo do campeonato»), também falou. Martins relatou o «espectáculo» do golo de Andrade sem poder disfarçar um sorriso de «contrariedade»:
- Sei que foi um centro da esquerda, talvez obra de Quaresma ou Rafael. O Andrade, que fora destacado para a extrema-direita, apanhou-me só e, meu amigo…
- O Martins fez-se ao remate ?
- Sem dúvida. Ainda toquei a bola com os dedos. Entrou nas redes depois de ressaltar contra o poste…
- Não esperava o remate do lado de Andrade ?
- Pois não ! Eu estava a cobrir o ângulo mais exposto à infiltração da «esquerda» belenense…
Martinho e… Costa Pereira !
Consumada a evocação uma pergunta velada, trémula, insinuante, fica a ensombrar o ânimo das hostes benfiquistas: «E se o Martinho se lembra de fazer o mesmo ao Costa Pereira ?!...»
Por Luís A. Ferreira na revista "Sport Ilustrado" de 28 de Janeiro de 1959

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