Vicente, vidro e sangue na queda do anjo


Eram cinco e um quarto da tarde. Dia pardacento de Outubro, em Lisboa. Vicente rodava suavemente pela auto-estrada. De casa, a caminho do Restelo, para sessão de banhos e massagens. Feliz da vida. Apesar das recordações tristes do Campeonato do Mundo. Uma, a fractura do pulso, que já passara. Outra, ainda não totalmente apagada da memória — a conquista do título, que escapara por um triz a Portugal, mas já esfumada pelo tempo, como um sonho arrojado que não se concretizara. Mas sentia-se contente. Pensava na sua nova vida de casado, no filho que estava prestes a chegar, no prestígio que semeara pelos campos de Inglaterra, neutralizando Pelé, sabia que se dizia que o Vasco da Gama estava na predisposição de o contratar, oferecendo-lhe condições fabulosas.

Foi perto de Caselas. Uma furgoneta que virou para a direita, o seu automóvel a galgar o passeio, embatendo violentamente num poste. Tudo num ápice. Bateu com a cabeça no pára-brisas, estilhaçou-se o vidro, um pedaço dele entranhou-se-lhe no olho... Saiu do carro para increpar o condutor da manobra perigosa, nem sequer se apercebeu de que jorrava sangue da face esfacelada. Operado de urgência, tentou-se o milagre. Em vão. Era o fim dramático de um jogador diferente. «Lovely» Vicente.
In História de 50 anos do desporto português. Edição “A Bola”

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