Georgete Duarte, a Eterna Campeã das Campeãs e Campeões Belenenses

Vá lá, na primeira vez em que voltei aqui, 
às Salésias, as lágrimas fugiram-me dos olhos

Custa muito ver esta miséria. Foi aqui que encontrei o meu destino e daqui que parti para ir pôr a primeira pedra ao Restelo.
Como é que o atletismo entrou na minha vida? O meu pai era maquinista dos Caminhos de Ferro - e para ter passe grátis fui jogar basquetebol para o Ateneu Ferroviário.
Uma colega desafiou-me para as corridas, fui com ela para o Casa Pia.
Também fazia voleibol e pingue-pongue. Pingue-pongue foi pelo Benfica porque senhor do Ferroviário, que tocava guitarra com a Dona Amália, viu-me jogar com os rapazes, era todo benfiquista, dirigente, achou que eu tinha jeito, levou-me para lá, para os campeonatos. Mas paixão era o atletismo, deixei tudo o resto..."
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"Olhe, ali ainda um pedaço do rebordo da pista. Não, a minha primeira vitória não foi aqui, foi no Lumiar, no velho estádio do Sporting. O meu pai não sabia que eu corria, eu tinha assinado a ficha como se fosse ele, ninguém notou. Um fogueiro do comboio apareceu-lhe com um jornal a perguntar-lhe se a rapariga que lá estava não era a filha dele. Era, numa reportagem do Casa Pia. Soube da corrida, apareceu no Lumiar e ao aperceber-me dele nas bancadas fiquei em pânico, a gritar que não corria, não e não.
Os senhores do Casa Pia foram pedir-lhe autorização, disse que sim. Ganhei e nunca mais me esqueci da imagem do meu pai, eufórico, a bater palmas.» Essa foi uma prova de 100 metros. Algures, por 1944."
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"Blocos de partida não havia — fazíamos buracos no chão, escavávamos a pista, até os pés ficarem presos. Foi sempre assim, comigo. Bicos, só quando passei do Casa Pia para o Belenenses, mas eram uma coisa muito tosca, feitos por sapateiros que lhe encaixavam pregos nas solas. Às vezes, os bicos soltavam-se, espetavam-se nos pés, acabávamos as provas a coxear.O que eu mais gostava de fazer era barreiras. Na primeira vez que apareci no Belenenses, Alberto Freitas, o nosso treinador, mandou-me passar uma barreira e... a única coisa que disse foi: Meu Deus, que mulher nós temos..."
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"É verdade, para além das 11 vezes que fui campeã nas barreiras e das nove no comprimento, ganhei oito vezes os 100, cinco nos 200, quatro no pentatlo e poderia ter sido campeã de Portugal muitas mais.
Os regulamentos não me deixavam fazer as provas que queria, nem estafetas, nem altura. Nas únicas três vezes em que pude ir ao salto em altura nos campeonatos, venci.
Colchões, não havia! Fazia-se um monte de areia para amortecer a queda, saíamos, todas, de lá esfoladas. Não, não treinava muito, só antes dos campeonatos, oito vezes, duas por semana.
Sabe porquê? Nem os oito tostões para o eléctrico me davam, tinha de vir por minha conta. Acácio Rosa, um dos nossos dirigentes históricos, oferecia-me alpercatas para correr e às vezes o dinheiro para os bilhetes que gastava nessas oito vezes..."
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"Eu era da Moita, sempre lá morei. Agora a Moita está grande, mas naquela altura era só campo, repolhos, batatas, os batelões que levavam a hortaliça para Lisboa, meia dúzia de casas.
O que eu passava por ser como era. Havia um rio onde as mulheres lavavam roupa e ao verem-me a caminho do comboio chamavam-me tudo.
Às vezes chorava, de raiva. Depois casei, ainda foi pior, mesmo com o meu marido comigo.
A primeira vez que fui à televisão, em 1958, havia só um café na Moita, as mulheres a espreitar na vidraça, a dizerem: que vergonha, até na televisão ela aparece! Não sei se uma prostituta teria tantos nomes como eu tive, tanto falatório, só porque andava a correr de calções.Eu era uma moça... boazonazinha, por isso os rapazes da Moita vinham a Lisboa às provas só para me verem as pernas.
Às vezes penso que se me tivessem dado condições, tinha sido campeã da Europa, olímpica. Com as minhas qualidades, vontade...
Era empregada na CUF, no departamento de projectos. Depois do trabalho e dos treinos ainda tinha a lida da casa.
No atletismo nunca ganhei nada. Fizeram-me uma homenagem nas Salésias em 1952 e uma festa de despedida no Restelo. Foram as únicas vezes que me deram dinheiro. Sabe para o que deu? Comprar a mobília para a minha casa..."
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No BI de Georgete Duarte a idade: 84 anos
"Na cabeça e no corpo ainda não cheguei aí!" Percebe-se. Há 14 anos que dá aulas de ginástica a um grupo de mulheres no Pavilhão da Moita.
"Muitas delas poderiam ser minhas filhas, netas. A única coisa de que se queixam é de eu puxar muito por elas. No ano passado fomos à caminhada da Meia Maratona da Moita: sete quilómetros. Umas vezes a correr, outras a marchar, eu sempre a dar-lhes gás, tiveram de ir atrás de mim. Está-me no sangue. É o que vou fazer, domingo, na Corrida dos 90 Anos do Belenenses, que é a minha vida. Só tenho pena que as Salésias, de onde vamos partir para o Restelo, onde me coube a honra de colocar a primeira pedra para o estádio, estejam neste abandono. Era tão bom que alguém nos ajudasse..."
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Quando saltou pela primeira vez uma barreira, o seu treinador disse-lhe: "Temos mulher"
Hoje, aos 84 anos, Georgete Duarte ainda recorda a frase que a catapultou para as pistas de atletismo.
Desde pequena que Georgete não se identificava com coisas de meninas. "Queria correr e saltar. Era uma maria-rapaz!", lembrou a antiga atleta a Record.
Depois de ter experimentado várias modalidades (do basquetebol ao ténis de mesa), despertou para o atletismo no Casa Pia, mas foi no Belenenses, em 1944, que começou a brilhar no tartan - ainda no tempo em que os "bicos dos sapatos muitas vezes se espetavam nos pés e faziam-se as provas a coxear" - e a coleccionar títulos: foi recordista nacional nos 80 metros barreiras e no pentatlo, sagrou-se campeã nacional e regional nos 60 m e 150 m, assim como no lançamento do disco e do salto em comprimento.
Ao todo foram 46 títulos em 10 modalidades diferentes que a tornaram na atleta portuguesa mais medalhada, mas sempre com uma grande humildade. "Nunca deixei de trabalhar.
Andava a cair. Treinava-me depois de sair do trabalho e ainda tinha a lida da casa quando chegava", afirmou.
Quando, em 1958, se despediu da alta competição, Georgette nunca se desvinculou do desporto. Há 14 anos que dá aulas de ginástica, às terças e quintas-feiras, a um grupo de mulheres no Pavilhão da Moita. "São minhas amigas e não minhas alunas", afirma a desportista.
Dia 8 de Novembro, Georgete Duarte irá participar na caminhada comemorativa dos 90 anos do seu Belenenses

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