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Se foi de Belém que partiram as Caravelas o símbolo deve ser a Cruz de Cristo e a cor o Azul - a cor do mar e do céu

A minha ligação ao futebol vem de longe. Do tempo do meu avô materno. Ele foi dos portugueses que tiveram o privilégio de dar os primeiros pontapés na bola em solo nacional: segundo a história que sempre ouvi na família, participou em célebres desafios contra uma equipa formada por ingleses que estavam cá a montar o Cabo Submarino.
Este meu avô era médico, chamava-se Virgílio Paula, e não se ficou pelos jogos iniciais: esteve no núcleo que lançou o futebol em Portugal, com Ribeiro dos Reis, Cândido de Oliveira e outros. Jogou a seguir no Benfica, onde conquistou vários troféus, sendo um dos ‘dissidentes’ que decidiram sair para fundar o Belenenses (tendo hoje o seu nome cravado em letras de bronze num dos pilares do Estádio do Restelo). 
Segundo, ainda, a história familiar, foi a minha avó – a avó Alda – quem escolheu a cor das camisolas do Belenenses e o símbolo do clube. A sua lógica era irrespondível:
– Se foi de Belém que partiram as caravelas, o símbolo deve ser a Cruz de Cristo. E a cor deve ser azul, que é a cor do mar e do céu.
Praticamente não conheci o meu avô, que morreu precocemente quando eu tinha quatro anos. Lembro-me, no entanto, desse dia triste. Os meus pais e os meus avós moravam num mesmo prédio, na Calçada do Galvão, eles no primeiro andar e nós no rés-do-chão, sendo o jardim comum. 
Ora, nesse dia, muita gente invadiu o jardim da nossa casa a chorar. Eram clientes do meu avô, muitos deles muito pobres, a quem ele não cobrava as consultas e que lhe vinham assim testemunhar a sua gratidão. Alguns eram ciganos – que não choravam, uivavam, recitando nos intervalos uma ladainha. É esta a única recordação que tenho do meu avô materno: o dia da sua morte. 
Mas, apesar de não o ter conhecido, lá em casa fui o único que lhe seguiu as pisadas e se interessou pelo futebol. Jogava à bola com os miúdos da minha rua – que descalçavam os sapatos (quando os tinham) para jogar, pois sabiam que se chegassem a casa com os sapatos esfolados não escapariam a uma tareia das mães.
Além disso, eu frequentava o Estádio do Restelo, que era a dez minutos a pé da minha casa. Via os jogos todos: os jogos de futebol do primeiro team, como dizíamos, e das reservas, mas também os jogos de basquetebol, andebol e hóquei em patins. Sem falar do atletismo. 
Como disse, em minha casa eu era o único afectado pela febre do futebol. O meu pai nunca assistiu a um jogo na vida e a única vez que o vi fazer uma vaga alusão à bola foi em 1966, no célebre campeonato do mundo em que a selecção nacional ficou em 3.º lugar e Eusébio foi o melhor marcador.
Nessa altura ele já estava em Paris e é capaz de ter sentido algum orgulho em ser português. 
A minha mãe, apesar de ser filha de quem era – e de, levada pela mão do meu avô, ter conhecido as grandes figuras do futebol do seu tempo, como Jules Rimet –, também nunca se interessou pelo assunto, como, de resto, a quase totalidade das senhoras do seu tempo.
Lembro-me de ter ido comigo a uma final da Taça de Portugal, no Estádio Nacional, entre o Belenenses e o Sporting, que o Belenenses ganhou por 2-1. Mas foi mais para partilhar do meu entusiasmo do que por interesse. 
Quanto aos meus irmãos, pouco ou nada ligavam ao futebol. O mais velho dizia-se do Benfica mas julgo que nunca entrou no Estádio da Luz. E o mais novo nem sabe ano após ano quem é o campeão nacional. 
Foi no meio desta família que cresci – e apesar disso apaixonei-me pela bola. Cheguei a ir treinar aos infantis do Belenenses (o clube do meu coração, pelo qual ainda hoje sofro), tive uma coluna sobre desporto no Diário de Lisboa, escrevi dois ou três artigos de fundo n’A Bola, assino a SportTV e vejo muitos jogos na televisão. (...)
José António Saraiva, Política a Sério, "Sol" 11/08/2007 sob o titulo: Mudar o futebol
Post publicado originalmente em 1 de Dezembro de 2007 

Virgílio Paula

Dr. Virgílio Paula, jogador de mérito nos primórdios do futebol notabilizou-se como fundador, médico e dirigente do Belenenses. Foi igualmente dirigente e Sócio Honorário da F.P.F. 

"Ele foi dos portugueses que tiveram o privilégio de dar os primeiros pontapés na bola em solo nacional: segundo a história que sempre ouvi na família, participou em célebres desafios contra uma equipa formada por ingleses que estavam cá a montar o Cabo Submarino. 
Este meu avô era médico, chamava-se Virgílio Paula, e não se ficou pelos jogos iniciais: esteve no núcleo que lançou o futebol em Portugal, com Ribeiro dos Reis, Cândido de Oliveira e outros. Jogou a seguir no Benfica, onde conquistou vários troféus, sendo um dos ‘dissidentes’ que decidiram sair para fundar o Belenenses (tendo hoje o seu nome cravado em letras de bronze num dos pilares do Estádio do Restelo)" 

António José Saraiva, em artigos que refere o dr. Paula, e que pode ler aqui e aqui

Mariano Amaro ajoelhou-se na relva e começou a bolsar sangue. Estava mesmo tuberculoso!

(...) Mas há outra pessoa na minha família que os leitores conhecem pior, pois faleceu há muitos anos, mas que muita gente ainda venera: o meu avô Virgílio Paula.

Era médico com consultório na Calçada da Ajuda, paredes-meias com o Palácio de Belém, e, sempre que escrevo sobre ele, recebo cartas de antigos doentes (que na altura eram crianças e hoje têm uma idade respeitável).

Acerca de uma referência que lhe fiz há meses neste espaço, o leitor Alípio Alves Rodrigues enviou-me uma carta comovente de que transcrevo o seguinte:

«Há cerca de oitenta anos fiquei a dever a vida ao médico Virgílio Paula, que acompanharia a minha infância. Nasci em 1923, em Oliveiras de Baixo, na Serra de Monsanto. 

Vivíamos de bem com a natureza e com a vida que Deus nos dera. Em tal ambiente campesino, uma ou outra constipação, ou mal menor, eram curados com chá de flor de borragem, de cidreira ou de flor de sabugueiro. 
Porém, no ano de 1927, minha mãe teve de carregar com o pesado garoto de quatro anos que, subitamente, se sentira com profunda dificuldade respiratória. Tomou o caminho do consultório médico mais próximo, que era na Calçada da Ajuda. 

Era de tal modo aflitiva a situação respiratória do garoto que o dr. Virgílio Paula interrompeu a consulta que estava a dar para vir à sala de espera indagar quem era o rapaz que acabara de tossir. E imediatamente despachou minha mãe com o doente para o Hospital D. Estefânia, onde fiquei internado durante alguns dias em regime de isolamento. 

A tal doença era o garrotilho, a que tecnicamente chamam difteria e que, em poucas horas, pode causar irreparável dano. Outros danos menos graves haveriam de levar o dr. Virgílio Paula a Oliveiras de Baixo, solicitado por um guarda-fiscal que, a desoras, o procurava aflitivamente em casa.

Quem haveria de dizer-me que, na base da história do Clube de Futebol ‘Os Belenenses’ – clube do meu coração e onde jogaria o Tónita, meu companheiro de carteira na escola –, estavam o dr. Virgílio Paula e sua esposa, que teriam um neto com tão importante obra na história do jornalismo português, fundador do SOL, que interessadamente leio desde o 1.º número?».

Agradeço ao leitor as amáveis palavras e a história que conta. 
Uma história onde as nossas famílias se cruzam. E aproveito a ‘deixa’ para divulgar um outro episódio que me foi contado há vários anos por um leitor do Expresso, em circunstância semelhante.
Entre muitos outros afazeres profissionais (médico da Carris, do Air Liquide, da Presidência da República), o meu avô Virgílio era responsável clínico pela equipa de futebol do Belenenses. 

Um dia, nos periódicos exames que realizava aos jogadores, concluiu que um célebre futebolista da altura, Mariano Amaro, estava tuberculoso. 
Alarme no clube, exames e mais exames feitos no Centro de Medicina Desportiva – mas nada! 

O raio X não acusava qualquer lesão. Dava-se o caso de Amaro namorar com uma rapariga que trabalhava no consultório médico do meu avô, sendo sua empregada. E logo se montou uma história: como o dr. Virgílio Paula provavelmente não aprovava o namoro da jovem com o futebolista, inventara aquela tuberculose para lhe destruir a carreira.
A história era tão plausível que passou por boa. O meu avô começou a ser olhado de soslaio no departamento médico do clube, suspeito de ter feito deliberadamente um diagnóstico errado para procurar afectar o famoso jogador.
Mariano Amaro voltou então a jogar sem quaisquer limitações e o caso esqueceu. 
Até que um belo dia, a meio de um jogo, Amaro ajoelhou-se na relva e começou a bolsar sangue. Estava mesmo tuberculoso! As máquinas tinham-se enganado e quem acertara fora o Virgílio Paula! 
Os que tinham duvidado da seriedade do seu diagnóstico tiveram então de lhe pedir desculpa. (...).
José António Saraiva, Política a Sério, "Sol"