Estádio do Restelo, 15.09.1968. Árbitro – Rosa Nunes, de Faro
BELENENSES – Gomes (2); Assis (1), Quaresma «cap.» (1), Cardoso (1) e Esteves (1); Luciano (2) e Freitas (1); Fernando (3), Dorado (1) (45m – Walter (2)), Ernesto (2) e Laurindo (3)
U. TOMAR – Conhé (1) (Arsénio (3)); Kiki (1), Caló (2), Faustino (2) e Santos (1); Dui (1) (Vicente (1)), Ferreira Pinto «cap.» (2) e Cláudio (2); Leitão (2), Alberto (1) e Totoi (1)
Golos: 1-0 – Laurindo –14m, 1-1 – Leitão, 2-1 – Luciano, 2-2 – Alberto. Ao intervalo, 2-1.
Golo do Belenenses, aos 14 minutos: um lançamento da linha lateral foi captado por Ernesto, que levou a bola até à cabeceira, do lado direito, de onde tirou um bom centro. Dorado saltou com Conhé mas o esférico passou e Laurindo, surgindo rapidamente, atirou de cabeça.
Logo a seguir, o empate: Fernando pretendeu atrasar para Assis, mas o passe saiu-lhe defeituoso ou com demasiada força. E Leitão levou a bola. Quaresma falhou, espectacularmente, a dobra e o dianteiro do U. Tomar acabou por entrar na área e rematar rasteiro.
Perto do fim da primeira parte, 2-1: os «azuis» atacaram pela direita. Ernesto surgiu de novo a centrar. Conhé não conseguiu chegar ao esférico e Laurindo, na ponta esquerda, rematou. A bola subiu por ter batido num adversário, Conhé saiu a soco, mas apenas pôde desviá-la uns metros. E Luciano, sobre a linha limite da grande área, em posição frontal, atirou em arco.
No último minuto, Dorado apareceu caído no terreno. Tinha feito uma séria rotura de ligamentos ao torcer o corpo para iniciar a corrida. Foi substituído por Walter (2).
Segundo tempo, 0-1.
Substituições: Arsénio (3) e Vicente (1) substituíram, respectivamente, Conhé e Dui.
O ponto que deu o empate ao União de Tomar teve, de novo, a colaboração da defesa da «casa»: Alberto encontrou espaço para levar a bola e levou-a até à linha da grande área, onde lhe surgiram, depois de uma corrida de galgos, Quaresma e Cardoso. O n.º 9 do União acabou por atrasar para Leitão, que se meteu na área. Falhou Quaresma, mergulhou Gomes em última tentativa, mas o centro saiu rasteiro para Alberto, à boca das redes, fazer o golo com toda a calma.
O União de Tomar fez a sua primeira visita a Lisboa como equipa da I Divisão. E foi uma visita produtiva. Ganhou um ponto no Estádio do Restelo e pode muito bem acontecer que este pontinho, visto um dia de larga distância, tenha o valor do oiro.
Os jogadores de Tomar não se apresentaram ainda na melhor da sua «forma», mas, num pormenor, evidenciaram melhoria em relação ao jogo de domingo passado, no seu campo, onde também conseguiram amealhar o ponto correspondente ao empate: na forma física. A equipa começa a ter elementos que «aguentam» os noventa minutos. Por outro lado, acontece que a «manta de retalhos» está a ganhar unidade e a transformar-se num conjunto que sabe o que quer.
Aliás, foi essa a grande diferença entre as duas equipas em presença: O União, não sendo um «team» famoso, tem coesão e sentido de jogo; o Belenenses assemelha-se a um muro com muita areia e pouco cimento. Qualquer golpe de vento o deita abaixo, qualquer contrariedade o desorienta. Toda a equipa parece frágil e, no entanto, quem a veja naquela sua ânsia de resolver os assuntos num momento, num fôlego, desvairadamente, imagina-a a jogar sem brasas. E imagina-a bem.
Mas por que razão há-de o Belenenses assim? Olhe-se para a estatura dos seus jogadores, olhe-se para as suas características e diga-se se é possível ao Belenenses adoptar um tipo de futebol que obrigue a equipa a impôr-se pela força, por meio de um futebol que não convence e mete, até, por vezes, o esférico no ar.
Bem sabemos que se jogaram apenas duas jornadas do «Nacional», mas o Campeonato cada vez se compadece menos dos atrasados. Um ponto em dois jogos, mesmo descontando o facto do primeiro se ter jogado na Luz, parece um mau começo da turma de Belém, aliás a condizer com os encontros que antecederam o torneio máximo.
A angústia do Belenenses será um mal de tal forma enraizado que nada o possa extirpar? Todo aquele movimento de turbilhão, que arrasta consigo todo o processo de organização de uma equipa, precisa de ser sustido e o futebol da equipa devidamente controlado.
A velocidade de uma equipa não é somente a velocidade de desmarcação e antecipação dos seus jogadores, mas, essencialmente, a velocidade da bola, a rápida variedade de lances. E tudo isso tem de ser doseado e organizado de forma a que os onze jogadores não cheguem ao fim do jogo estafados e profundamente convencidos da inutilidade do seu esforço.
Querer jogar a bola
O que mais admiramos na equipa do União de Tomar é a sua intransigente toada futebolística. Recém-chegado de uma Divisão onde não se pratica um futebol evoluído, salvo raras excepções, o União consegue estar entre os maiores sem a preocupação de baixar a donde veio, sem receio de jogar o que sabe e sem vergonha de mostrar o seu estilo. Não é consigo a defesa cerrada das balizas, o jogo «mastigado» à espreita do momento «X» para o contra-ataque.
Pode acontecer que em luta com equipa muito poderosa, os unionistas não tenham outro remédio que não seja praticar um futebol vincadamente defensivo, mas, se assim acontecer, será mais uma consequência da superioridade alheia do que complexo de inferioridade própria disfarçada pela necessidade de ganhar pontos.
O ponto que a equipa ontem conquistou num relvado para si naturalmente difícil, poderá ter sido ganho com certa dose de felicidade, mas não foi conquistado através de noventa minutos vincadamente defensivos, que não deixam uma nesga ao adversário, que o cansa, o satura, o predispõe ao relaxamento que pode, então, ser explorado pelos golpes de contra-ataque.
É uma equipa arrumada.
Nota-se o que se sabe, quando tem a bola e tenta conservá-la, fazendo-a correr de jogador para jogador em triangulações ou toques certeiros.
Não existe, na equipa de Tomar, um padrão de jogo caracteristicamente ofensivo ou acentuadamente defensivo. A equipa joga com certa elasticidade ocupando os diversos sectores do campo consoante as situações que se lhe deparam. Há mobilidade e descontracção. Os jogadores também podem tomar iniciativas, conforme a inspiração de momento sem receio de comprometerem o conjunto.
Daí termos visto a equipa nas escalas mais diversas do conjunto de tácticas modernas: Ora interpretando o «4x2x4», ora formando em «4x3x3», ora desdobrando-se por variantes que sacrificavam elementos à defesa para os integrar no ataque ou linha média, ora indo buscar ao ataque reforços para a estrutura do meio-campo, o União demonstrou a sua capacidade de assimilação dos processos que tornam maleáveis os sistemas.
É claro, as coisas também saíram bem à equipa. O Belenenses podia ter ganho o jogo se toda a sua força ofensiva, que a pôs no campo (indiscriminadamente, mas pôs), tivesse colectado lucros dessa insistência. Mas, em nossa opinião, há quem tenha sorte porque ela lhe cai do céu, e há quem a mereça porque a procurou. O União procurou a felicidade tanto da defesa das suas balizas, como no duelo do meio campo que conseguiu equilibrar, quando a equipa parecia vítima do «bombardeamento» do Belenenses, e ainda, especialmente, por nunca ter abdicado da ideia de atacar as redes de Gomes.
Lampejos
O Belenenses foi uma equipa muito pouco esclarecida, na primeira parte do jogo. E preocupado, na segunda, embora se deva reconhecer que jogou de forma a poder ter conseguido até um resultado largo.
Onde está o mal? Existe um círculo vicioso. A defesa, pouco segura, influencia, de certo, o comportamento dos médios e estes, na medida em que não conseguem «segurar» a bola, criam os mais diversos problemas a um sector que se encontra longe da «forma». E os homens da frente ficam um tanto entregues à própria inspiração.
É que o futebol de ataque não é uma situação que se possa criar queira o adversário ou não, a menos que a superioridade em relação a este seja muito grande. E não entendemos como haver futebol ofensivo sem uma defesa à altura de anular os contra-ataques e sem uma linha média que desempenhe o importante papel de apoio.
Os «azuis» viveram todo o segundo tempo, que foi o melhor da equipa, em pânico. Há uma falta de auto-confiança nos recursos, um receio imenso do poder ofensivo do antagonista, de um golo que torne as coisas trágicas. E, em contrapartida, a expectativa do ponto nas redes adversárias torna-se em obcecação. Esse estado de espírito, que obriga os jogadores a estar no campo em luta contra o relógio, em busca da tranquilidade, é que rouba recursos a um conjunto que pode fazer muito mais.
Em primeiro lugar os «azuis» precisam de vencer a barreira do fatalismo.
Ontem, observámos as atitudes de Assis, Ernesto, Laurindo, Walter, quando bolas que pareciam bem dirigidas para as redes foram defendidas por Arsénio. Foram exemplos de desalento, pormenores que revelaram desânimo e, ao mesmo tempo, o tal fatalismo que os belenenses têm de expulsar.
A necessidade premente de marcar golos, de distanciar o adversário no marcador, de conquistar tranquilizante posição, gera na equipa um estado psicológico que a leva, no caso de ser contrariada pelos jogadores antagonistas (que também jogam), ou pelo azar, a desenfrear-se num futebol onde apenas existe uma coisa: garra.
É pouco. O Belenenses tem de conquistar o auto-domínio de si próprio. E afinal não nos parece que seja muito difícil. Ainda ontem lhe vimos uma meia dúzia de jogadas que podem servir de exemplo de um estilo que o conjunto deve adoptar: bola pelo chão, futebol muito apoiado. Num desses lances – o melhor do jogo – Laurindo perdeu o golo que teria coroado excelente lance. Mas, se quisermos rever a jogada, encontraremos motivos para creditar à falta de calma de Laurindo o infeliz remate do lance: Walter estava colocado em muito melhor posição e logo um metro atrás.
Dois extremos
Numa altura em que se diz que em Portugal há poucos extremos dignos desse nome, o Belenenses apresentou nada menos de dois: Laurindo e Fernando. São dois jogadores diferentes no estilo, mas ambos caminham para uma «forma» que os há-de notabilizar. E isso porque possuem «conteúdo» técnico.
É provável que Laurindo possa ter ainda maior utilidade jogando no meio campo ou na posição de «ponta-de-lança», mas a maneira como executa e sabe procurar a bola, aliada à necessidade que as equipas têm de recuar, por norma, um dos extremos que pode desempenhar papel relevante na manobra do «miolo», não o impede de jogar num dos lados do campo. Com Fernando, as coisas parecem diferentes: o madeirense sente-se muito mais à-vontade junto à linha. Os dois foram, porém, os melhores jogadores do Belenenses.
Ainda na linha dianteira, a entrada de Walter ainda afastado da «forma» melhorou imenso o sector. De qualquer maneira, Dorado teria de ser substituído. Ernesto, um tudo nada pesado, precisa de mais uns treinos a «sério». Quando ambos estiverem fisicamente bem, o problema da linha avançada do Belenenses pode estar resolvido.
Luciano teve uma primeira parte inferior à segunda. Mas é um jogador de utilizar. Quanto a Freitas, achamo-lo muito mais útil no quarteto defensivo, onde não há segurança. Quaresma está em má «forma». Assis também não se encontra bem. Cardoso, com altos e baixos. Esteves o mais certo. E em cima de tudo isto, um mau jogo colectivo, com desacerto nas dobras e constantes erros no tempo de entrada.
Gomes não teve culpas nos golos.
Do União de Tomar, veio um exemplo magnífico de colectivismo. A equipa teve, também, a virtude de nunca ter acreditado que perdia. E a sorte ajudou ao resto.
A substituição de Conhé por Arsénio foi muito bem observada. O ex-Sanjoanense fez defesas extraordinárias. A defesa teve nos «centrais» os melhores elementos. Os «laterais» não estiveram tão bem, embora tivessem sabido explorar os corredores dos seus lados para apoio do ataque.
Cláudio, Ferreira Pinto e Dui (na segunda parte, Vicente) formaram um sector de certo relevo.
E Leitão foi o jogador mais em evidência no ataque.
O árbitro
Rosa Nunes não nos agradou totalmente. Pequenas desatenções (que as teve) podem originar graves prejuízos. No jogo de ontem o Belenenses terá sido o mais prejudicado pela displicência do árbitro.»
(“A Bola”, 16.09.1968 – Crónica de Homero Serpa). Post amavelmente cedido pelo Blog Amigo,
UNIÃO DE TOMAR